
Estranho. Não há resumo melhor para a vida. Para mim. Para você. Estranho são as inquietas sombras que vão embora e insistem em voltar e assombrar mais um pouquinho. Estranho mesmo são estas sombras. Sem designação. Sem endereço. Sem sentido. O que elas são de fato não nos é importante, o que importa é o que elas nos trazem, o que elas nos provocam. Uma sombra pode ser seu melhor amigo que foi embora e que você não sabe mais se ele ainda é seu melhor amigo. Se perdeu aqueles três kg que o incomodavam tanto, se recuperou seu amor quase perdido ou se, como por mágica, o esqueceu. Sombras são seus pais que não ligam pra você, mas que levam chocolate quente todas as noites de inverno na sua cama. Aquele incômodo com a caneta parada em sua mão pode ser a sombra da prova de matemática que você não entendeu o conteúdo. Mas o medo da escuridão ainda é a sombra mais comum da vida, que você apaga e acende a lâmpada e ela não se move, igual seu amor que esqueceu de o amar também. Ou também seja uma sombra cor-de-rosa. Por quê não? Aquela sombra que brilha por trás do sorriso de dentes grandes que marcam cuidadosamente o lábio inferior, que só outro alguém acompanhado desta sombra consegue perceber. A sombra que, ao piscarem os olhos, quando as pálpebras se erguem com alívio, sem pressa, já não está mais ali. A sombra, que foi cor-de-rosa, se transforma tão puramente branca como a tranqüilidade do vento batendo contra a bromélia do jardim do vizinho, sempre mais bonito que o seu. Mas você não reage. Você sabe que sombras vão e voltam freqüentemente, cada vez mais cor-de-rosa. Cada vez mais vermelhas. Cada vez mais ardentes. Sentimentos. Talvez seja estes o mais próximo da designação de uma sombra. Continua sem endereço e ficou ainda mais sem sentido. Mas são eles nossos eternos e internos responsáveis por tudo que somos e agimos, completamente indispensáveis, que fazem da nossa vida mais clara. Outrora mais escura, tal como uma sombra qualquer.São sombras que atormentam, que confundem, que atrapalham. Que empurram. Que alegram. São sombras que, por mais que você as superem, elas voltam. Voltam com outras cores. Outros sabores. Outros mistérios. Outros amores. Você simplesmente precisa delas, você as procura, porque sombras são brindes da luz da vida. E já cantou Luis Fernando Veríssimo em outro momento: “embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.” Portanto, venhas outra vez, inquietas sombras.
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